5.4.09
OS SONHOS DO AFONSO
Já não via o Afonso há mais de um ano. Ontem encontrámo-nos e recordámos os tempos da escola, e eu quis saber da vida dele. E tenho muitas novidades.
Depois de ter acabado a escola primária, o Afonso, apesar de ainda não ter onze anos, não foi estudar. Os pais não tinham dinheiro para lhe comprar livros, roupa e calçado. Precisavam dele na lavoura. Um ano depois foi ganhar dias para as vindimas do Alto Douro. Mas não esqueceu a cardenha, fugiu com um parceiro da mesma igualha, andaram um bom pedaço a pé e acabaram por arranjar uma boleia.
Quando fez treze anos arranjou emprego. Foi para aprendiz de trolha. Anda muito contente o Afonso! Ganha quinhentos escudos por dia, tem trabalho assegurado e farta-se de fazer "massa" com pá e enxada porque ainda não tem direito a usar talocha e colher.
E está a subir na vida, o Afonso. Com o dinheiro poupado de semana a semana comprou uma ovelha que já pariu dois anhos. e não há-de tardar muito a ficar outra vez prenha e oxalá traga novamente dois filhotes. Comprou uma bicicleta, novinha em folha e com mudanças porque o Afonso já não está para comprar arcanhos...
Mas agora está dividido, dá voltas ao miolo e não sabe o que há-de fazer com o dinheiro que acabou de juntar; será melhor abrir uma conta e depositá-lo no banco, ou comprar mais duas ovelhas? Qual dos investimentos dará mais resultados?
Anda contente o Afonso. Às vezes levanta-se às cinco da manhã, põe a lancheira às costas e lá vai a pedalar estrada fora. E, claro, já não foge ao trabalho.
- Ó Afonso, por este andar breve ficas rico!
- Olhe que não, olhe que não! Ainda tenho que juntar dinheiro para gastar na tropa. E não é pouco!
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2 comentários:
Mais um texto triste mas, novamente, muito realista e, porque não muito actual? Mas ... se muitos dos nossos desempregados forem de corajosos, audaciosos e lutadores, não deixarão de aceitar um trabalho como trolhas, para continuar a dar dignidade às suas vidas.
Maria Letra
Milai, amiga,
Os sonhos do Afonso parecem perfeitamente saudáveis, pessoas simples como ele são muitas vezes felicíssimas, principalmente porque não têm a noção do mundo atroz que os rodeia.
Às vezes desejo estar isolada numa ilha.
Já pensei em comprar a Ilha da Boega aqui no Minho, mas não tenho dinheiro...e não está à venda.
Pena!!!
Beijocas
NÁ
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